LAI E LGPD: LADOS OPOSTOS DE UMA MESMA MOEDA

O direito à informação e o direito à proteção de dados pessoais são ambos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 e regulamentados por leis infraconstitucionais, respectivamente, Lei de Acesso à Informação (LAI – Lei nº 12.527/2011) e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018).

A Lei de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados possuem uma relação de convergência, sendo ambas pautadas pela redução de assimetria de informação da parte vulnerável.

Nesse sentido, o Enunciado n.04 de 10 de março de 2022 da CGU:

“…

A LAI, a Lei nº 14.129/2021 (Lei de Governo Digital) e a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD) são sistematicamente compatíveis entre si e harmonizam os direitos fundamentais do acesso à informação, da intimidade e da proteção aos dados pessoais, não havendo antinomia entre seus dispositivos.”

O objetivo de regulamentar o direito constitucional dos cidadãos de acesso à informação, teve por propósito reforçar a transparência pública e intensificar o processo de legitimação democrática. Esse direito também permite a efetiva proteção de direitos fundamentais e a autodeterminação informativa dos cidadãos, titulares de dados pessoais.

Ambas as leis – LAI e LGPD – regulamentam direitos fundamentais expressamente previstos na Constituição Federal de 1988 (CF/88): direito a informações públicas e direito à proteção dados pessoais (inclusive em meios digitais), nos incisos XXXIII e LXXIX do art. 5º, respectivamente.

Percebe-se que a lógica da proteção de dados e a moldura normativa da LGPD não é de restringir a circulação da informação, mas, muito pelo contrário, de estimulá-la.  Seu objetivo último é garantir um fluxo informacional adequado e jamais servir de justificativa para a negativa de acesso ao cidadão como se tem visto em atos recentes por órgãos governamentais.

Da mesma forma, quando o Estado atua como agente de tratamento de dados, a Lei Geral de Proteção de Dados também prevê uma equalização da assimetria informacional. Nesse sentido, o Capítulo IV da LGPD, específico para o tratamento de dados pessoais pelo poder público, traz regras expressas de reforço do princípio da transparência no caso de agente de tratamento pertencente ao setor público, o que inclui a noção de transparência ativa e passiva.

O art.  23, em seu inciso I, ressalta a obrigação de transparência ativa ao determinar  que  os  entes  públicos  devem  informar  aos  titulares  as  hipóteses  em  que  realizam  tratamento  de  dados, além de assegurar que essa informação seja clara,  atualizada  e  de  fácil  acesso,  respeitando  as  diretrizes expressas no art. 9º.

Desta forma, não há dúvidas de que, por meio da transparência ativa, o controlador público deve fornecer proativamente informações aos seus cidadãos, titulares de dados pessoais, sobre o tratamento de seus dados de forma clara, adequada, ostensiva e gratuita.

Ademais, é possível constatar que tanto a LGPD como a LAI convergem no objetivo de dar maior transparência, ativa e passiva, para as informações e dados  produzidos  ou  custodiados  por  órgãos  e  entidades  públicos.  Esse reforço  à  transparência  permite a redução da assimetria informacional existente na relação entre cidadão e Estado, de forma a garantir maior controle e participação do cidadão, considerado a parte mais vulnerável.

A relação de complementaridade entre as leis é tamanha que, antes mesmo da LGPD existir, a Lei de Acesso à Informação trouxe um balanceamento e regras de proporcionalidade para o fluxo informacional regulado por ela.

Conforme evidenciado pelo art.  31, informações relativas à intimidade,  à  vida privada e à honra e à imagem podem ter seu acesso restrito ou condicionado ao consentimento do titular. Pode-se traçar um forte paralelo entre os princípios da finalidade, necessidade e adequação, previstos pela LGPD, com essa limitação trazida pela LAI. Uma vez que o objetivo desta última é o acesso a informações de interesse público, não há razão de se divulgar dados relativos à vida privada e que não se apresentam como de interesse público.

Logo, apesar de alguns ruídos e mal-entendidos a respeito da relação entre LAI e LGPD, as leis funcionam a partir de uma lógica de convergência, já que ambas impulsionam a máxima transparência de informações públicas de interesse público, dentro do contexto e abrangência de cada, de forma a reduzir as assimetrias de informações existentes entre o Estado e seus cidadãos.

Porém, há uma diferenciação conceitual a ser feita entre o direito de acesso previsto no art. 18, II da Lei Geral de Proteção de Dados, e o pedido de acesso à informação, previsto no art. 7º e 10º da LAI.  O primeiro diz respeito eminentemente ao acesso de dados pessoais, com o objetivo de assegurar a autodeterminação informacional, enquanto o segundo diz respeito às regras de publicidade e transparência da administração pública, com objetivo de garantir uma governança social e fiscalização do poder público pelos cidadãos.

No contexto regulatório brasileiro, o direito de acesso aos próprios dados pessoais é assegurado tanto  pelo  remédio  constitucional  do  habeas  data  (inciso LXXII do art. 5º da CF/88 e lei 9.507/97) como  pela  Lei  Geral  de  Proteção  de  Dados  (art.9º, inciso II do art. 18 e art. 19). O que se pretende garantir é que o cidadão, titular de dados, tenha acesso facilitado e gratuito aos dados pessoais que terceiros, controladores públicos ou privados, possam ter sobre si.  A intenção é que seja fornecido aos titulares informações completas, transparentes e facilmente compreensíveis sobre as atividades de tratamento de seus dados pessoais, de modo a garantir que a legalidade do tratamento e a acurácia dos dados sejam verificadas.

Por outro lado, o direito de acesso à informação pública, conforme dito, possui um objetivo voltado à fiscalização do poder público e materialização do princípio da publicidade e transparência. Além disso, há uma diferença substancial em seu escopo.

Ao contrário do direito de acesso a dados pessoais, o acesso a informações públicas não se limita a informações pessoais, expandindo-se para qualquer informação que esteja em posse do poder público. As únicas limitações ao escopo desse direito se dá em razão da classificação da informação como sigilosa, conforme definido pelo art.  23 da LAI, ou em caso de se tratar de informações relativas unicamente à vida privada, intimidade e honra de alguém, conforme definido pelo art. 31.

Por fim, ao contrário do direito de acesso a dados pessoais, o direito de acesso à informação está detalhadamente normatizado pela Lei de Acesso à Informação, com requisitos formais e inclusive a possibilidade de recurso em caso de negativa.

Vale a pena a leitura do artigo na íntegra (link abaixo).

 

Fontes:

Revista CGU – Artigo INTERSECÇÕES E RELAÇÕES ENTRE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD) E A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LAI): ANÁLISE CONTEXTUAL PELA LENTE DO DIREITO DE ACESSO (Bruno Ricardo Bioni, Paula Guedes Fernandes da Silva e Pedro Bastos Lobo Martins)

https://revista.cgu.gov.br/Cadernos_CGU/article/view/504/284

Enunciado n.04 de 10 de março de 2022 da CGU